domingo, 7 de outubro de 2012

Compondo a morte em vida...



1.
Ainda não sou tão velho assim, como queria ser há algum tempo atrás... no entando, tenho pensado na morte nestes últimos dias, e revendo algumas de minhas composições, fui pego de surpresa.

2.
O tema da morte, de uma forma ou de outra, sempre esteve presente nas músicas de todos os tempos e lugares... no caso da música ocidental, são muitos os exemplos, desde o Epitáfio de Seikilos até a Litania de Silvio Ferraz.

3.
"No jogo de fazer cruzar coisas, escrever música pode ser também um modo de tornar presente e sonoramente concretas forças que aparentemente perderam seus corpos: alguém que não está mais, um povo que desapareceu, um povo que nunca existiu, um lugar que ficou tão longe." (S.Ferraz)

4.
Em "tríptico das hecceidades", de 2004, há um trecho em que um leão enjaulado é morto:








5.
Em "sendas", finalizado em 2011, a parte final termina com um último suspiro de vida, até o intérprete ficar sem fôlego:
 6.
 Em "aí, mas onde, como", temos uma reescritura de um conto de Cortázar, que fala de um amigo que morreu, mas que está "aí, mas onde, como"?

7.
Hoje, dia 7....não sei se por acaso ou por alguma simbologia maquínica, lembrei de minha última composição que terminei, há alguns dias, para orquestra, e alguns colegas me perguntaram como eu havia feito ela em tão pouco tempo. Foram exatos 14 dias (7+7). Não me lembro exatamente o que respondi a eles, mas agora parece que tenho uma resposta: estava motivado pelo tema da morte. Precisava terminar como se fosse a última composição...

8.
Não acho uma boa estratégia para ajudar a compor mais rápido, e nunca indicaria isso a algum aluno... mas, para mim, toda vez que penso na morte, na possibilidade real de não existir mais, a vida parece ganhar uma força indomável, mais ou menos igual ao galope do "sobrevivente de warsóvia" de Schoenberg, antes da entrada catártica do coro final. (uma questão de velocidade do pensamento)

9.
Penso também em Messiaen, compondo nos campos de concentração, o seu fabuloso "quarteto para o fim do tempo"... As 7 trombetas anunciando o apocalipse e a chegada dos anjos na terra...

10.
Mas não estou dizendo que as coisas acontecem assim como num lampejo divino... há sempre uma técnica, um artesanato, uma experiência já calejada... E muitas outras coisas: uma super esposa para segurar a barra, os softwares, os livros, os estimulantes etc...

11.
Mas também não quero dizer que não existam coisas que acontecem assim como se nunca existissem lampejos divinos, tudo preto e branco, sem sal, tudo só causa-e-efeito, sem medos e sem anjos. Tenho muito medo da morte, e por isso muitas coisas que faço, faço pensando como se nunca mais fosse fazer. (..daí o medo se transforma em forças...)

12.
Agora, pasmem: sem ter planejado nada (diferente do caso do "concerto para violino e orquestra", em memória a um anjo, de Alban Berg...), estava revendo a partitura daquela já citada última composição para orquestra e, para minha surpresa e espanto, exatamente na página 14 (7+7), e exatamente numa página com 7 compassos, eis que tenho uma visão da CRUZ:
13.



8 comentários:

  1. Parabéns pelo blog e pelos artigos aqui publicados Professor. Alto nível! Muito bom mesmo. Abraços!

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  4. são diversos os modos que inventamos de estar vivos, e de poder viver tudo aquilo que vivos passa por nossos sentidos quase que sem sentido. Dar sentido à morte, talvez seja esta uma tentativa ao se compor uma música face a perda de um amigo, tentar conversar com ele que seja uma ultima vez... Almeida Prado, Dércio Marques, Eduardo Álvares... e agora nos faz falta o poeta Donizete Galvão... creio que inventar é tentar dar continuidade a algo que travou... talvez compor com a morte seja tentar dar continuidade a uma conversa que através dos limites dos dias não seria possível senão escrevendo, cantando, dançando.

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  5. silvio, só agora, 18 de fevereiro de 2015, que vi-li surpreso sua mensagem, e ao mesmo tempo, uma alegria saber que "passeou"por este blog já infestado de teias.... nesse ínterim nasceu minha segunda filha, e nunca mais retornei a este espaço, que agora vejo que pode ainda sobreviver e pretendo dar continuidade aos novos projetos composicionais. Um super abraço, e saiba que muito do que tem descrito aqui tem moléculas de sua impressão digital, fundamental para a determinação de alguns vetores que ainda me mantém nesta atividade, às vezes sem sentido... às vezes fonte de epifanias, que chamamos por hábito ou por teimosia de "composição musical"...!!!!

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