sábado, 29 de setembro de 2012

Composição, de-composição e re-composição…






A partir do momento em que nascemos, já começamos a morrer... enquanto algumas células nascem, outras morrem. Mas nestes estágios iniciais, tudo ocorre de modo mais “natural”, sem muitas interferências, nem vontades.

No dia 16 de setembro de 2012, uma nova composição começou a nascer (de modo concreto, no papel... os planos já pululavam em meus devaneios idiossincráticos). Como havia uma motivação forçada, ou seja, uma data para finalizar, a partir deste dia entrei literalmente em “estado-de-composição”: a velocidade das sinapses e o alto grau de carga energética despendida num fluxo intenso de tempo (em caráter de motu perpétuo) faz com que as células morram mais cedo. (Isto justifica minha ausência neste blog durante todos estes dias...).

Ontem, dia 28, lá pelas 5 da madrugada, nasceram as minhas “xxxxxxx” (acho que ainda não posso divulgar a identidade dela, por causa do motivo forçado...). Hoje ainda estou me re-compondo...

Este “método” de composição perece que me persegue... ou sou eu que persigo estas contingências? Quase todas as composições nasceram assim: com prazos bem delimitados. Como um Stalker, os tentáculos ficam sempre à espreita de uma oportunidade. De repente, “a hora é agora!!”... e começa a gestação. Entramos na “Zona”, e a atmosfera se transforma: todos os lugares de sempre não são mais todos os lugares de sempre: um avião passando não é mais um avião passando... pode ser um insight!! Uma ponte para a entrada do contra-fagote. Uma moeda que cai do bolso da calça quando vamos tomar banho é “isso mesmo!!”: um triângulo, como um sinal de anúncio e ao mesmo tempo um ataque para a flauta etc...

Bom, mas já saí da “Zona”, e cheguei em “casa”... para o conforto?? Que vida é essa? Já lavei toda louça, estou repondo as horas de atenção com a Ceci (..delícia!!), e hoje a tarde inteira tenho que dar aulas (agora que estou escrevendo, estou ao mesmo tempo preparando as aulas...sobre pulsações), e amanhã, o dia todo, tem as provas do Vestibular... depois tem as correções e as aulas e mais nem quero mais ficar pensando, ficar adiantando a ansiedade...

Isso é que chamo “re-composição”!! Voltar para o confronto! ...para as coisas dos dias que parecem que nunca vão acabar, sem prazos delimitados...

Acho que o melhor remédio depois que saímos do “estado-de-composição” é...: começar uma nova composição!! Hoje é dia 29, e precisava terminar outra composição até dia 30 (amanhã..!!). Pois é, nem tudo é possível... o segundo movimento da “Dupla Captura” vai ficar para as próximas semanas...


sábado, 15 de setembro de 2012

Capturando a captura do movimento



Parei agora para pensar no seguinte: como funciona compor pensando no movimento da música? Ou seja, o que se passa no tempo do pensamento quando estamos imaginando a música em movimento? (...uma outra questão para pensar só depois, para não entrar num círculo de sobreposições vertiginosas: como funciona descrever verbalmente o que se passa no tempo do pensamento quando estamos imaginando etc..??)

Vamos tentar analisar: Um ataque súbito, seco, áspero e pungente! Uma pequena explosão e em seguida um lapso de silêncio... outro ataque, agora com múltiplos sons contínuos, agressivos e metálicos, tudo embaralhado, borbulhante, bem forte e também pungente... vai gradualmente ampliando a faixa da tessitura preenchendo cada vez mais os domínios dos graves e agudos... quase que sem perceber, umas coisas vão se misturando com outras, numa espécie de amálgama de timbres, mas não dá pra distinguir ainda exatamente o que está se passando no meio dessa textura complicada... nesse ínterim, alguns flashes de ruído branco começam a pipocar, como pequena pérolas, aos poucos, aleatoriamente... e um vácuo de ausência de sons começa a se abrir bem no registro médio e vai gradualmente ampliando a faixa da tessitura preenchendo cada vez mais os domínios dos graves e agudos... como um filtro em operação, aqueles múltiplos sons agressivos vão desaparecendo, e sobram somente os flashes de ruídos e aquelas coisas se misturando umas com as outras... umas minhocas nos graves, outras libélulas nos agudos... e parece que umas folhas borradas em preto e branco. De repente, do lado esquerdo das folhas aparece um cara com uma filmadora.

Bom, as coisas não são tão simples assim... é que o Movimento em si ultrapassa o domínio dos sons e se mistura com outros domínios, visuais, táteis, cinéticos, olfativos, guturais-palatais, espirituais... Engraçado, para se capturar o movimento eu tenho que paralisar o movimento, então na verdade é uma captura do não-movimento!! Mas o certo é pensar na captura do movimento enquanto ele se movimenta... capturar a linha das durações das coisas no decurso do tempo.

Agora, o grande problema é que essa linha não é uma linha do tipo fio de náilon... mas do tipo corda sisal!!! Com nós que se interligam a outras linhas... Como assim???

Vamos voltar na tentativa de analisar: Um ataque súbito, seco, áspero e pungente! Um ataque de caixa com esteira junto com pizzicatto da cordas e com um sopro seco e fortíssimo das madeiras em registros super agudos ou super graves... pausa de três colcheias, e um tutti orquestral (...bom, agora eu teria que mostrar num gráfico ou na partitura a imagem do som, da textura... para descrever, levaria horas a fio...)

Muitas composições nascem assim... andando de carro, de repente uma pequena explosão e pronto: os tentáculos começam a criar o movimento dos sons... ou então, andando no calçadão com um olho nas folhas borradas e o outro na objetiva de uma máquina fotográfica... "capturei o cara capturando...!!", e os tentáculos começam uma epopéia... "imagem borrada=movimento capturado=composição pensando no movimento=postagem no blog etc...!!!

Agora, o que não se pode falar nem dizer, só podemos mesmo mostrar ou ver... ver o verdadeiro capturador de movimentos: Igor Stravinsky !!!!



quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Estratégias de Composição 0001: contraponto imitativo



Hoje não senti vontade para pensar em qualquer composição. Resolvi então jogar uma partida de xadrez com o meu Doppelgänger. Ficamos em silêncio absoluto por uns 45 minutos... até que ele me perguntou: "como andam as sua composições?..." Não respondi nada... desloquei o cavalo atacando a rainha dele; imediatamente ele pegou seu bispo e me colocou em cheque!! Putz...!! Disgramado!!! Então eu disse: "hoje não estou com nenhuma vontade para pensar em compor..."

Quando estamos compondo, nos deparamos com algumas dualidades e somos forçados a nos sub-dividir... aquilo que acreditávamos (imaginávamos) como um todo, único e perfeito, uma UNIDADE, começa a se bifurcar, em 2 linhas, depois 4, 8, 16... até um ponto em que temos que optar por uma das possibilidades, a fim de dar continuidade no processo.

Uma dessas dificuldades é a seguinte: seguir um caminho mais intuitivo ou mais racional? Mais informal ou mais calculado? Mais improvisado ou pré-determinado? Deixar o jogo "rolar" a cada jogada, ou prever as próximas 10 ou 15 rodadas? Acreditar na Fé ou na Ciência?

Quando o que era entusiasmo se transforma em confusão, um dos meus lados (o mais pragmático) recai sobre a razão: p.ex., pensar em um contraponto imitativo, um dos procedimentos composicionais mais utilizados na história da composição ocidental (..quiçá sua essência?). Não consigo lembrar algum nome (de Machaut a Messiaen) que não tenha usado esta técnica composicional.

São os autômatos!!! Você elabora uma linha e já tem várias linhas prontas para completar... usei o contraponto imitativo em meu Trivium para 3 violões (de 1997), depois nos Arcos em quartas (piano solo), na parte central do Tríptico das Hecceidades (piano, 2004), nos Passos no Rastro (orquestra, 2011), intensamente nas Germinações II (quarteto de flautas, 2011/12) e também na Dupla Captura (vibrafone e piano, 2012).

Mas tem horas que cansa fazer cálculos para projetar a música no tempo... Tem horas que dá vontade simplesmente de pensar instantaneamente a música acontecendo... tem horas que tudo começa a ficar enfadonho, e muita inversão, muito caranguejo, muito espelho pra lá, pra cá... e a música já era!! Nessas horas pensar na estratégia do contraponto imitativo não adianta mais, pelo contrário...

Então, volto a jogar xadrez com o meu Doppelgänger. Como escapar deste bispo??

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terça-feira, 11 de setembro de 2012

Schoenberg e o grito amordaçado



(Francis Bacon - Head VI, 1949)

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“A arte é o grito de socorro dos que experimentam em si o destino dos homens; não dos que se acomodarão a esse destino, mas dos que lutarão com ele; não dos que servem brandamente “aos poderes sombrios”, mas dos que se jogam dentro da máquina para agarrar seu mecanismo; não dos que desviam os olhos para se proteger da emoção, mas dos que os abrem bem para apanhar o que tem de ser apanhado”. (Schoenberg, 1910)

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Retomar a obra (atonal) de Schoenberg hoje, mais de 113 anos, exige ainda de nossa percepção um desafio estimulante (frustrante?) face à ausência das referencialidades da escuta do bom senso. Que significa isso?  Um pouco de liberdade (indiferença?)...? ...uma escuta que nos prende na expectativa do que está por vir, mas o que pode estar por vir? (...ao contrário de uma escuta em que o canto já está determinado, e já sabemos para onde seremos levados...)


Como criar par si uma escuta que ouça aquilo que ainda não temos referência? Como compor imaginando uma música que ainda não escutamos? Uma tentativa de prever o futuro? Nada disso... mas uma possibilidade de se defrontar com as forças do futuro! Quais forças são essas?

Minha primeira tentativa neste sentido foi uma peça para piano solo escrita em 2004, por ocasião do 2º. Encontro de Compositores Universitários: “Tríptico das Hecceidades”, dedicado à pianista Sandra Secco Delallo. O terceiro movimento (painel da direita) se chama “o grito amordaçado”, inspirada numa espécie de releitura da terceira peça do op.11 de Schoenberg, mas a partir de procedimentos mais “automáticos” (pelo menos na mão direita, um “meta-cânone”...). Um tipo de figura polirrítmica numa espiral compulsiva culminando na morte do Leão enjaulado.



Depois disso não consegui terminar nenhuma composição por uns 4 ou 5 anos (tempos de crises)... até começar a esboçar um outro procedimento (mais instantâneo, talvez?) ... mas já é outra história. Nunca saímos ilesos quando nos defrontamos com as forças do futuro, do caos (...da morte?) ... no meu caso foi somente uma pequeníssima fenda, e quase mudei de profissão!!

Fico imaginando então o que deve ter passado Schoenberg nos anos de 1909 a 1923!?!! ...não é para qualquer um... “Se é arte, não é para as massas, e se é para as massas, não é arte” (Schoenberg)

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“Bacon faz a pintura do grito porque põe a visibilidade do grito, a boca aberta como um abismo de sombra, em relação com forças invisíveis, que são as forças do futuro. É Kafka quem falava em detectar as potências diabólicas do futuro que batem à porta. Cada grito as contém potencialmente. Inocêncio X grita por trás da cortina, não apenas como alguém que não pode mais ser visto, mas como alguém que não vê, nada mais tem para ver, que tem apenas por função tornar visíveis essas forças do invisível que o fazem gritar, essas potências do futuro. Esse grito é expresso na fórmula “gritar para...”. Não gritar diante..., nem de..., mas gritar para a morte etc., para sugerir esse acoplamento de forças, a força sensível do grito e a força insensível do que faz gritar.” (Deleuze, Lógica da sensação – pg.66)

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Para saber mais sobre o op.11 de Schoenberg: (clique aqui)

sábado, 8 de setembro de 2012

Cecilianas e Personagens Rítmicos




Imaginemos uma cena numa peça com três personagens: o primeiro atua de forma brutal batendo no segundo; o segundo sofre esta ação, uma vez que suas ações são dominadas por aquelas do primeiro; e por último, o terceiro personagem está presente no conflito mas permanece inativo. Se nós transpomos esta parábola para o campo do ritmo, nós temos três grupos rítmicos: o primeiro, cujos valores rítmicos estão sempre aumentando, é o personagem que ataca; o segundo, cujos valores diminuem, é o personagem que é atacado e o terceiro, cujos valores nunca mudam, é o personagem que permanece imóvel. (Olivier Messiaen)


Lembrando uma aula de musicalização da Cecília, me veio um plano para a composição de algumas peças para piano solo: as “Cecilianas”. Descrição da cena: no quarto são 2 personagens ativos (A), que conduzem as ações dos outros; outros 4 personagens são "hiper-ativos" (B), pois além de participarem das ações, em alguns momentos traçam uma escapada, com gestos imprevisíveis; e há também mais 3 personagens testemunhas (C), que ficam apenas observando (ver esquema abaixo):





O Plano:

1.       grupos de 2-4-3 conjuntos de notas (para cada identidade de personagens respectivamente: A-B-C);
2.       três registros para cada grupo, respectivamente: A=agudo; B=médio; C=grave;
3.       a entrada de cada grupo de notas deverá seguir a seguinte ordem numérica: 2-4-3-5, em cânone...;
4.       três comportamentos para cada grupo: A=notas repetidas em stacatto + “buracos”; B=notas em tenuto com intervenções de apojaturas;  C=notas oitavadas longas e acentuadas;

Ok, vamos ver como isso soa:


Humm... legal !! Já temos um comportamento (território) com certo grau de consistência (identidade). Digamos que uma foto de uma paisagem em estado bruto... O próximo passo é dar continuidade, "esculpir" esta paisagem e... traçar a irresistível linha de fuga!!

Mas este passo vai ter que esperar um pouco na fila... não percam os próximos posts...!!!


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Para saber mais sobre os "personagens rítmicos" de Messiaen:

1. texto de silvio ferraz (clique aqui);
2. pedaço de texto de Ronald Bogue (clique aqui);
3. dissertação de Salomé Walt (clique aqui);