quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Cântico das Formigas




Hoje, numa aula de arranjo/orquestração, a partir de um exemplo de comportamento textural dinâmico, me deu um formigamento no cérebro e me veio uma lembrança do futuro: um trecho do coro do "Cântico das Formigas".

Esta obra escrevi em minha segunda fase da maturidade, aos 88 anos. Nunca pensei que fosse concretizada, mas a profecia dos povos da ilha de Dalí acabou se tornando realidade. Após a grande seca mundial de 2.053, as formigas que sobreviveram estavam quase controlando os animais humanos. Eram cerca de cem nano-trilhões de ninhos em cada cidade onde haviam ainda algumas comunidades de idosos, imunes aos ataques das formigas.

As formigas costumavam invadir os ouvidos e comer os cílios da cóclea, cantarolando um zumbido que embaralhava o logos da inteligibilidade cerebral, enlouquecendo a vítima até o suicídio (pois este não encontrava mais um sentido para a vida...). Os idosos, não possuiam mais os cílios, e por isso as formigas não encontravam o alimento responsável pela ativação dos cantos de desespero...

Alguns cientistas-pós-doutores aposentados tentaram em vão criar pequenos predadores maquínicos em forma de insetos com micro-cargas de radiação eletro-infra-vermífugóides, mas os diversos povos formigáceos desenvolveram durante milênios em silêncio de pedra uma nova aliança comunitária capaz de neutralizar qualquer tipo de possibilidade imaginativa-criativa dos seres humanos.

Enquanto se alimentavam antropofagicamente dos pseudo-produtos dos ideais abstratos das nossas mentes ingênuas, preservavam num simbólico ritual trasn-espiritum-virtual um Banquete em forma de dança, canto-ruídos hipnotizantes, verdadeiros cânticos coletivos que, aos ouvidos dos já extintos compositores de música de vanguarda frustrados, soavam como a mais PURA música da Terra!!

O plano da composição surgiu a partir destes cantos das formigas: um Cântico de 365 coros formados por 365 idosos, e espalhados por 365 cantos do planeta; começava com uma espécie de suspiro angustiado, meio murmurado, meio sufocado, com sons de garganta em pianíssimo... gradualmente, estes sons começavam a soar mais e mais alto, e novos sons (de língua, beiços, dentes e sopros) se intercalavam gerando uma textura mais densa, num comportamento dinâmico que ampliavam o âmbito da densidade e dos registros; subitamente, todos (Tutti) explodiam num imenso ruído branco: ZRSGZRSGRZGSRZGRSGZSRZGSRZRGSZRSGRZSGRZGRSGRZGSRZSR!!!!!!

...e o Silêncio absoluto! Sem respirar, sem piscar, sem pensar em nada, todos fechavam os olhos e se deitavam.... as formigas, que não tinham o raciocínio dedutivo-indutivo, marchavam lentamente em suas rondas diárias para se alimentar dos cílios, caminhavam até as orelhas dos velhos e faziam seus ritornellos, indo e vindo e indo e vindo e indo e vindo... e esse era o único prazer dos velhos humanos sobreviventes na Terra: uma deleitosa sensação de formigamento no cérebro!!




Nenhum comentário:

Postar um comentário